A felicidade é perfeitamente inútil. Um pensador me encanta: Schopenhauer, considerado por todos um pessimista.
Schopenhauer dirá de fato que a vida tem problemas, viver é uma roubada espetacular. E o que atrapalharia muito a vida é o divertimento e o enfado.
O divertimento seria o seguinte: você deseja o que você não tem, de repente você consegue o que você deseja e ai você não deseja mais e ai passa a desejar outra coisa. O divertimento seria assim trifásico: querer o que não se tem, conseguir o que se desejava antes, e buscar agora outra coisa que agora se deseja. Então você percebe que o divertimento é marcado por um pendulo: ou você deseja e não tem, ou tem o que não deseja mais.
Percebam que a lógica do divertimento é a lógica do saco sem fundo, é a lógica do invariavelmente estarão faltando coisas e você estará invariavelmente buscando aquilo que te faz falta.
O segundo problema da vida é o tédio ou o enfado. Ele seria caracterizado por uma rede de utilidades.
Você sempre ouviu a palavra útil. O útil é sempre entendido como uma coisa boa, e o inútil como uma coisa ruim. No entanto perceba que útil, o seu valor está fora dela, assim, o colírio é útil por que limpa os olhos; o primário é útil por que leva ao ginásio; o ginásio é útil por que leva ao colegial, e o colegial que leva à faculdade; e a faculdade ao emprego. Assim você perceba que o valor da utilidade está fora dela. Portanto se um dia você for chamado de inútil, não fique tão triste assim: ao te chamar de inútil estou tentando te dizer que no seu caso — raríssimo nos dias de hoje — o seu valor está em você mesmo, tanto quanto a felicidade, que por definição é inútil, a vida boa é perfeitamente inútil, por que ela vale por ela mesma.
Quanto mais na nossa vida encontrarmos coisas que tem valor em si mesmas e por tanto sejam inúteis, a chance de vivermos melhor aumenta muito.
(Clóvis de Barro Filho)
Abaixo temos as cartas Quatro, Cinto e Sete de Copas, que ilustram perfeitamente a busca pelo que se deseja, alcançar o que se deseja (então na posse não a desejamos mais) e depois buscamos algo novo que ainda não temos (mais desejamos).
O Quatro de Copas mostra um personagem que está insatisfeito com o que tem, seja por expectativas criadas, seja por ilusões criadas, ele percebe que o que tem não era assim como imaginava, não é tão belo, gostoso ou satisfatório como parecia antes de possui-lo. A taça voando indica coisas novas que estão se despertando no desejo dele. Ainda assim, o nosso personagem ainda analisa para ver se algo pode ser feito sobre a questão, talvez ele que esteja usando errado? Ou será que o angulo de observação não é correto? Que tal troca-las de posição para ver o que acontece? São os dilemas na mente do ator retratado.
Já no Cinco de Copas temos a total resignação pelo que se possuí, o personagem já não aguenta mais, ele está totalmente deprimido pelo que se tem, se considera um azarado e até mesmo injustiçado tamanha falta de sorte e fortuna por ter aquilo que se tem, é o homem que lamenta profundamente as escolhas que fez e tenta achar culpados pelas fatalidades que lhe ocorreram até agora.
E no Sete de Copas nosso personagem com o humor mais levantado e tendo superado as frustrações pelo que se tem, começa novamente a desejar outras coisas, e ele deseja fortemente várias possibilidades e lhe parece que o objeto de desejo é tudo o que falta para completar a vida dele, quase que esquecendo tudo o que lhe ocorreu quando estava no Quatro de Copas.
Muito sabiamente a carta da Roda da Fortuna de um dos baralhos de Taro mais antigos do mundo (Visconti Sforza) retrata muito bem esse ciclo do desejo e frustração humana:
Nela o jovem no topo da roda diz “Reino”, o que está a direita diz “Reinei”, o velho na parte inferior diz “Estou sem reino”, e o jovem a esquerda diz “Reinarei”. Curiosamente esses quatro personagens representam uma só pessoa, que a cada fase da roda parece esquecer onde esteve na fase anterior e consegue apenas contemplar (ou desejar) a fase (ou coisa) a qual não pertencem a ele ainda.
Com tudo o que vimos até aqui, começo a pensar na carta Dez de Copas, que representa a contemplação máxima de felicidade e satisfação:
Será que os personagens retratados na carta acima aprenderam a respeitar as fases da vida e a se sentirem satisfeitos com o que se tem, ao invés de desejar ardentemente o que não se possui? Se a resposta for positiva, muitos de nós ainda não tenhamos esse grau de evolução e maturidade, pois quão difícil é abrir mão de nossos desejos, ou pior ainda, apenas aceitar com uma satisfação quase forçada aquilo que se tem? Lembro da carta curiosa de um Taro fictício onde coloca o personagem do Cinco de Copas dentro da carta do Mundo, imagino que deve ser essa mesma sensação:
Talvez o segredo seja aderir a busca da gratidão em prioridade a busca de nossos desejos, principalmente para nós que vivemos na “modernidade” e nos auto intitulamos o “homem moderno”, afinal o “homem primitivo” se preocupava em sobreviver em um mundo caótico e ameaçador, e hoje, desejamos coisas para impressionar outras pessoas, a sobrevivência do mundo social.