Nós vivemos sob uma terrível ilusão de imortalidade. As pessoas chegam para você no seu aniversário e falam: “parabéns! mais um ano de vida”, e ta errado, é menos um ano de vida. Mas você então pode pensar: “isso é muito triste não é?”. Eu discordo, eu acho que triste é você chegar no fim da vida, olhar para trás e perceber que você investiu seu precioso tempo, sua preciosa energia com pessoas e projetos que não valeram a pena, triste é você é se arrepender por não ter tentado, por não ter arriscado.
Nas relações por exemplo, relações amorosas, namoros, relações familiares, casamento, amizade, não importa: as vezes a pessoa está lá a sua disposição, anos a sua disposição, ao seu alcance, e o que a gente faz é infelizmente se adaptar, e cair em uma certa ilusão de que a pessoa irá ficar para sempre a nossa disposição e ao nosso alcance. E essa ilusão é perigosa, por que um dia a pessoa vai embora, e é rápido muitas vezes, é em um instalar de dedos, um piscar de olhos, em um instante a pessoa que esteve a anos a nossa disposição já não mais está lá.
As vezes é por força da natureza, ou as vezes é por decisão da pessoa. Afinal de contas todos nós chegamos uma hora, que quando somos tratados com descaso ou quando a nossa presença não é valorizada, nós tendemos a ir embora. E é ai, nesse momento, que chega ele, o sentimento mais comum que existe nesse vazio que é deixado pelas pessoas que vão embora: o arrependimento.
Na raiz do arrependimento, existe um certo tipo de esperança. Só que é o pior tipo de esperança que existe, que é aquele tipo que vem do verbo esperar. O arrependido ele é ou foi esperançoso: esperou a coragem aparecer, esperou o momento certo, esperou a hora certa, esperou as coisas mudarem… esperou, em vez de agir. E isso me remete ao ponto inicial da conversa: nós temos uma ilusão de imortalidade. Por que se nós tivéssemos consciência da nossa finitude, se nós tivéssemos consciência de que cada minuto é um minuto a menos, de que cada instante é um investimento, então, eu acredito que provavelmente a gente veria a nossa vida de uma maneira diferente, e com isso, a grande maioria da mesquinharia e da pequenez tenderia a desaparecer.
Consciente da sua própria mortalidade talvez você não brigasse no trânsito, consciente da sua própria mortalidade talvez você não ficasse se apegando a coisinhas pequenas nos relacionamentos que você tem com as pessoas que você ama.
Por que aqui (a vida) é um passeio, então com certeza a gente vai ser muito mais agradecido à natureza por ter dado essa oportunidade fantástica da gente passear ainda que brevemente, ainda que por algumas décadas por esse universo.
(Pedro Calabrez)
Com a introdução acima, uma carta que me vem a mente é a carta da Torre. Muitas pessoas vem a torre como um mero castigo divino, “a ira dos deuses” contra pecadores. Mas na verdade ela retrata a misericórdia dos deuses, por que removeram (mesmo que a força) duas pessoas que resolveram se isolar em uma torre, colocando-se acima de outros e da própria natureza terrena que nós seres humanos não podemos fugir:
Em a Torre, vimos duas figuras humanas expelidas, à força, do seu edifício. Estavam atordoadas, tinham sofrido a ação e permaneciam passivas. Toda a ação nessa carta veio dos céus — tradicionalmente o reino do espirito, do Logos, da energia Yang — A forma fálica da torre enfatiza ainda mais o princípio masculino, indicando que os dois moradores eram prisioneiros de suas aspirações intelectuais e de suas lutas pelo poder. Viviam muito acima das sensações da sua natureza terrena, animal. Tinham perdido contato com o solo do seu ser e com as águas fluidas da sua natureza mais íntima. A luz da introvisão intuitiva estava afastada da vida deles pela coroa maciça que lhes cobria o topo da morada. Vestiam roupas da moda, simbólicas das suas personalidades ou posições na sociedade, mas que só serviam para fazê-los parecer ridículos ao enfatizar a impropriedade de todas as pretensões humanas em face dos poderes elementais da natureza. O vestuário das duas figuras era quase idêntico, o que dava a entender que nenhum dos dois tinha um sentido forte de sua natureza única; nem mesmo sua identidade sexual era clara.
(Sallie Nichols)
Qual seria a postura correta que deveríamos ter então frente essa dura realidade que a natureza nos impõe? Nenhuma carta é tão clara para essa resposta, como a bela carta da Estrela:
Em A Estrela todos os envoltórios feitos pelo homem e todas as pretensões haviam sidos retirados e revelavam uma mulher nua e exposta aos elementos. Embora esteja apenas obscuramente ciente das estrelas fatais que pairam acima da sua cabeça, ela não é passiva. Como observamos, age. O seu é um reino da terra e da água, símbolo do princípio feminino de Eros. À diferença do raio arremessado violentamente para abrir, inseminar, expor e destruir, as estrelas derramam uma luz suave e passiva, cuja influência acalma e cura;
O pássaro ao fundo, traz aziagas premonições de que este será o seu destino. Os pássaros, simbolicamente, são mensageiros dos deuses. Enquanto o pássaro permanece na gravura sabemos, pelo menos, que os deuses existem e que se interessam pela vida deste planeta. Como o corvo de Elias, o pássaro traz alimento e sustento para o herói sofredor. Como a pomba de Noé, pode trazer a esperança de uma terra prometida.
O pássaro parece agora estender as asas para erguer-se, em carne e osso, acima do chão. Mas não deixará a terra permanentemente, pois é também uma criatura do jardim, sustentado por suas águas e alimentado por seus frutos. Por mais alto que voe na direção da luz, forçoso lhe será voltar ao ninho humilde: e sejam quais forem as regiões do ar a que possa alçar-se, terá de carregar sempre consigo o seu pequenino eu.
(Sallie Nichols)
Viver com a ilusão de imortalidade, e desperdiçar nosso tempo é como se esconder na torre, achando ou ignorando que a nossa natureza não nos pertence ou que podemos nos colocar acima dela. Cada minuto investido deve ser feito com o cuidado e imprevisibilidade de quem manipula as águas de um rio sem saber ao certo o que seu ritmo trará.