Fernando Pessoa
Os caminhos do Misticismo e da Magia são muitas vezes caminhos de engano e de erro. O Misticismo significa essencialmente confiança na intuição; a Magia significa essencialmente confiança no poder. A intuição é uma operação da mente pela qual os resultados da inteligência são obtidos sem o uso da inteligência. O poder, no sentido do poder mágico, é uma operação da mente pela qual os resultados do esforço contínuo são obtidos sem o uso do esforço contínuo. Ambos, porém, por mais tempo que levem a operar, são atalhos para o conhecimento. Em certo sentido, tanto o Misticismo como a Magia são confissões de impotência. O místico é um homem que sente que não tem em si a força do pensamento para atingir a verdade pelo pensamento. O mágico é um homem que sente que não tem em si a força de vontade para atingir a verdade (ou o poder) pela força de vontade. A rapariga ociosa que adivinha ou que se deita a adivinhar coisas é uma mística dentro do seu campo superficial; é demasiado preguiçosa para tentar saber. A camponesa que tenta reter o amor do marido por meio de encantamentos e poções é um mágico dentro das suas fronteiras estreitas; ela é demasiado ignorante e demasiado fraca para intentar atingir o seu fim por encantamento direto, por sedução permanente. Em ambos os casos há uma evasão.
Isto não quer dizer — ou, pelo menos, não precisa de querer dizer — que os resultados do Misticismo e da Magia estejam necessariamente errados. Quer dizer, contudo, que não há nenhum critério pelo qual possamos distinguir entre um resultado errado e um resultado certo num caminho ou noutro. Na Gnose, onde empregamos o intelecto, temos, pelo menos, o lastro do raciocínio; podemos, pelo menos, comparar um «resultado» com outro, examinar se eles são contraditórios, quer cada um em si, quer em referência um ao outro. Podemos não raciocinar bem, mas raciocinamos. Se errarmos, é porque nos enganamos e não porque estejamos errados, como nos outros dois caminhos. É como quando se soma mal; a falha não está em somar, mas em não somar bem; somar é, porém, o sistema correto para obter um total.
Isto ficará claro, se formos buscar exemplos simples, podíamos dizer correntes, ao Misticismo e à Magia. Um caso simples de Misticismo é o tipo comum de intuição a que se chama «palpite» em linguagem vulgar.
Uma pessoa tem um palpite de que em certo número terá o primeiro prémio da lotaria. De vez em quando o palpite sai certo, mas todos sabemos que, por cada vez que sai certo, há milhares de vezes em que sai errado. Se assim não fosse, um clube de apostas não seria o grande negócio que sempre é. Neste caso, na verdade, há um caminho fácil para verificar a exatidão do palpite: a lotaria, uma vez extraída, mostrá-lo-á. Mas como é que se há-de provar ou refutar o palpite do místico de que atingiu a unidade com Cristo? Ele diz que sabe, que sente… Mas o louco que se julga Cristo ou rei de certo país está tão seguro disso como o místico da sua intuição.
Tomemos, de novo, um caso simples de Magia — o espiritismo. O espiritismo é magia, porque é evocação dos espíritos dos mortos a esta vida. Faz-se uma sessão, evoca-se o espírito do falecido X, a voz do médium, a mesa pé de galo ou a prancheta anuncia que ele apareceu. Como é que sabemos que sim? A comunicação de coisas conhecidas somente de um dos presentes pode ser uma projeção da mente desse que está presente. A comunicação de coisas somente conhecidas do falecido e depois verificadas pode ser uma comunicação de alguma força ou mesmo espírito, outro que não o do falecido. E quando o espírito dá informação da sua morada presente, por que método nos asseguraremos se essa informação é certa ou errada? Não digo que tudo o que emerge numa sessão ou que emergiu em sessões esteja errado. Nem digo que esteja certo: digo que não há meio de conhecermos a origem da informação assim recebida, e quando a informação diz respeito a outros mundos ou a coisas de outro modo não verificáveis neste, não há meio de conhecermos a sua origem ou a sua verdade.
Fernanda Pessoa