Ando sob a impressão terrível de que nossas escolhas pessoais estão sendo afetadas por algo equivalente ao padrão FIFA. Se você não acredita, olhe em volta: quem foi a última amiga que você viu ao lado de alguém interessante? Não estou falando de gente bonita ou bem sucedida. Estou pensando numa personalidade original, surpreendente, inesperada. Quando foi a última vez que você mesmo – ou você mesma – saiu com alguém levemente inquietante?
Sozinhos, no escuro do quarto, todos nos sentimos transgressores. Só deus sabe as coisas que nos passam pela cabeça. Mas, à luz do dia, diante de um mundo cada vez mais homogêneo, em que todos os gostos e valores se assemelham, fazemos o que todo mundo faz – nos aproximamos de gente que preenche o padrão comum de qualidade.
Nele não cabem esquisitos ou solitários. Nele não entram desajustados. Os neuróticos, os tristes, os libertinos estão fora. Os chatos criativos, os tímidos brilhantes, os feios apaixonantes não têm chance. Poetas exagerados e rebeldes exaltados jamais se juntarão a nós. São inconvenientes. Almas artísticas tampouco nos interessam. Gente complicada incomoda. Não queremos confusão, angústia, papo cabeça. Nossa vontade é passar a vida entre gente bonita, bacana e descomplicada.
Se você não cabe nessa descrição, parabéns.
Significa que você não vive num comercial de cerveja, namorando uma moça de comercial de absorvente e caminhando, a passos largos, para construir uma família de comercial de margarina. Significa que a sua vida ainda não é um clichê bem comportado – ou cuidadosamente descuidado – e que nela há lugar para a surpresa. Talvez a chama que faz de você um indivíduo único – e não apenas um consumidor e contribuinte – ainda esteja acesa. Pode ser que você consiga – ou tenha a sorte de – se apaixonar por alguém que não seja um clichê de 120 caracteres. Mas não é fácil.
Nós, coletivamente, perdemos o gosto pela diferença.
Gente que não cabe na caixa – gente que não se encaixa – não nos interessa. Dividimos o mundo burramente entre vencedores e perdedores, como num filme de colegiais americanos, e nos agarramos aos primeiros. Mas a perda que isso causa é enorme. Quem vive fora do bando tem muito a nos contar. A moça de olhar melancólico pode fazer música e poesia, falar outra língua, vir de um país distante. O cara solitário talvez seja um gênio da intimidade, tenha um humor corrosivo, vibre de fúria e indignação com o estado do mundo. Quem não se enquadra e nem se junta pode estar fazendo coisa mais interessante. Talvez criando um mundo novo, quem sabe inventando uma existência mais plena. Quem sabe?
No fundo, quando se trata dos nossos afetos, a pergunta essencial é sempre a mesma: você quer alguém que seja o máximo ou prefere alguém que alargue os seus horizontes deixe você feliz?
Eu prefiro a segunda alternativa. Pessoas muito populares e bem sucedidas, com todo respeito, me parecem uma espécie de lugar comum. São como um filme do qual já se viu o trailer ou um livro cuja história já foi contada. Talvez um sapato que cabe em todo mundo.
Minha limitada experiência sugere que é melhor procurar quem nos surpreenda, alguém que tenha as nossas próprias medidas existenciais. Não porque haja uma alma predestinada a nos fazer feliz ou um relacionamento fadado a resolver a nossa vida. Isso não acontece. Mas há, sim, gente capaz de criar conosco uma conexão intensa e despertar – por décadas ou semanas, não importa – o que há de melhor dentro de nós.
Como não somos assim tão simples, como nossas angústias e aspirações não cabem num comercial da Copa do Mundo, talvez devêssemos buscar essa pessoa que nos toca entre gente como nós: fora dos padrões, fora dos clichês, fora da caixa.[vc_separator]
Texto escrito por Ivan Martins da revista Época (link original)