Essas coisas que sobrevivem à partida compreendem quando você as elogia: transitórias, procuram salvação através de algo em nós, os mais transitórios de todos. Querem que as mudemos inteiramente, dentro dos nossos corações invisíveis, em — oh, interminavelmente — em nós mesmos! de quem quer que seja, somos. […]
Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos
me ouviria?
E mesmo que um deles me tomasse inesperadamente em seu
coração,
aniquilar-me-ia sua existência demasiado forte.
Pois que é o Belo senão o grau Terrível
que ainda suportamos e que admiramos
porque, impassível, desdenha destruir-nos?
Todo Anjo é terrível.
E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo
do meu soluço obscuro.
Ai, quem nos poderia valer?
Nem Anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo neste mundo definido.
Resta-nos, quem sabe, a árvore de alguma colina,
que podemos rever cada dia;
resta-nos a rua de ontem
e o apego cotidiano de algum hábito
que se afeiçoou a nós e permaneceu.
E a noite, a noite, quando o vento pleno dos espaços
do mundo desgasta-nos a face — a quem furtaria ela,
a desejada, ternamente enganosa, sobressalto
para o coração solitário?
Será mais leve para os que se amam?
Ai, apenas ocultam eles, um ao outro, seu destino.
Não o sabias?
Arroja o vácuo aprisionado em teus braços
para os espaços que respiramos — talvez pássaros
sentirão o ar mais dilatado, num voo mais comovido.
Sim, as primaveras precisavam de ti.
Muitas estrelas queriam ser percebidas.
Do passado profundo afluía uma vaga,
ou quando passavas sob uma janela aberta,
uma viola d’amorese abandonava.
Tudo isto era missão.
Acaso a cumpriste? Não estavas sempre distraído,
à espera, como se tudo anunciasse a amada?
(Onde queres abrigá-la, se grandes e estranhos
pensamentos vão e vem dentro de ti e,
muitas vezes, se demoram nas noites?) […]
(Rainer Maria Reilke, Duino Elefies)