A identificação do homem com o mundo ao redor e a natureza
Entre as “cabeças mais pensantes” do século XX sobre a arquitetura mais humanizada e ecológica que se busca hoje, destaca-se a figura do artista Hundertwasser. Nascido Viena, Áustria, em 1928, ele desenvolveu sua obra voltada, em grande parte, para as questões ambientais, expostas tanto em seus quadros quanto em conferências, maquetes e realizações na área da arquitetura. O homem, na sua opinião, tem cinco peles: a sua epiderme natural, o seu vestuário, a sua casa, o meio ambiente onde vive e, a última, a pele planetária ou crosta terrestre onde todos vivemos.
[ primeira pele : epiderme ]
Hundertwasser motiva a transformação individual do seu habitat com o total envolvimento da sua primeira pele, reivindicando o direito do homem a exercer sua criatividade habitual e denunciando o reflexo mímico e idiota do consumidor cego de produtos industriais em massa. a idéia moral da primeira pele se define : andar descalço — sobreviver livre do constrangimento econômico pela prática do narcisismo como forma única de altruísmo.
A epiderme corresponde ao nível primário, orgânico e essencial da nossa consciência planetária. O ser humano se difere pelo desequilíbrio em relação a sua natureza biológica e existencial criando problemas em relação à imagem do seu corpo, como se nascesse nu, com a pele exposta, e como só alcançasse posição social através do corpo que nunca foi figurado pôr si, mas sim pela idéia que fazemos dele, como um referencial recortado pelo sistema que o visa. o corpo e a imagem do corpo são duas coisas diferentes. Afinal, o que há de mais profundo que a pele? A pele é como a tela de um quadro. Devemos buscar na pele o corpo cuja relação com o mundo não é mais de conhecimento, mas de convivência, como forma de luta pela não extinção, contra a diversidade que assume o global : consciência da relatividade!
[ segunda pele : vestuário ]
Hundertwasser descobre a sua segunda pele percebendo como lhe servia de passaporte social diante da relação do vestuário com a sua afirmação como indivíduo em sociedade. Começa a fabricar a sua própria roupa com retalhos de tecidos e a confeccionar suas meias e sapatos sempre que necessitava. Suas roupas são do tipo anticonformismo ligeiro e confortável. Assim, denuncia os três males da segunda pele : a uniformidade, a simetria e a tirania da moda. O anonimato do vestuário traduz no ser humano à renúncia ao individualismo, ao prazer de usar uma segunda pele criativa, original, diferente dos outros. Pretende criar a própria moda antimoda contra a tirania orquestrada pela alta costura que se tornou um ritual da complacente cumplicidade social.
[ terceira pele : casa ]
A arte está no centro do pensamento de Hundertwasser e é através da sua personalidade pictórica que aborda o problema ser humano-natureza e que propõe soluções particulares. o ato de construir vai imprimir a marca específica da sua criatividade sobre o fragmento de tecido urbano que lhe é confiado, a dimensão física e humana do ambiente. Assim, a especulação sobre o poder da arte assume característica de uma aposta sobre a poética do espaço habitado. Alinhamentos irregulares de janelas, integração espacial de árvores, construção com telhados vivos, mistura colorida e linhas ondulantes dos planos urbanísticos, cúpulas bulbosas e colunadas barrocas. a casa apresenta-se como uma aldeia vertical influenciando até mesmo os trabalhadores que realizam suas obras. são pedreiros e ladrilheiros que tomam iniciativas individuais e criativas : a dignidade do trabalho pelo exercício da criatividade individual.
[ quarta pele : identidade social ]
O meio social se estende ao conjunto dos grupos associativos que gerem a vida de uma coletividade, uma família em que cada membro partilha diretamente a mesma relação afetiva e concreta. a nação oferece a trama mais densa do tecido comunitário. Seu projeto de sociedade estética-naturista é acompanhado de uma faceta pacifista. Constatando a força da idéia nacional sobre os cidadãos, Hundertwasser interessou-se pelos sinais que distinguem a identidade. Através de campanhas específicas, conduziu sua manifestação no sentido de afirmar a identidade nacional protestando contra as fronteiras contranatura que invadem a quarta pele para redescobrir as barreiras do belo condicionantes da visão de ecologia à escala planetária.
[ quinta pele : o meio global — ecologia e humanidade ]
A evolução conduz o ser humano à sua ruína, mas existe uma via de resistência não violenta. o sistema de destruição global não está isento de erros que devem ser explorados para desacelerar a evolução negativa e criar uma moratória para a humanidade. Hundertwasser reafirmou o objetivo principal da sua ação : proceder de forma a que o homem possa livremente exercer, em harmonia com a natureza, o seu direito a viver em espaços felizes. seu projeto de sociedade é acima de tudo a sua criação pessoal. o seu poder é de ordem estética e transmite-se pelas redes da sensibilidade intuitiva dos indivíduos criativos e não através do contexto formal de uma ideologia coletiva.
Opõe resistência compacta e coerente como individuo que resolve passar a vida a cultivar e enriquecer a beleza da sua relação pessoal com o mundo : o desenrolar da espiral concêntrica das cinco peles do ser humano. Acredita na reconstrução de um mundo novo, em harmonia com a natureza onde um novo indivíduo exercerá livremente a sua criatividade sobre o ambiente imediato.