O que a psicologia propõe sobre esse tema?
Quando alguma coisa escapa da nossa consciência, essa coisa não deixou de existir, do mesmo modo um automóvel que desaparece na esquina não se desfez no ar. Apenas o perdemos de vista. Assim como podemos mais tarde, ver novamente o carro, também reencontramos pensamentos temporariamente perdidos.
Parte do inconsciente consiste, portanto, de uma profusão de pensamentos, imagens e impressões provisoriamente ocultos e que, apensar de terem sidos perdidos, continuam a influenciar nossas mentes conscientes.
Um homem desatento ou “distraído” pode atravessar uma sala para buscar alguma coisa. Ele para, percebendo perplexo; esqueceu o que buscava. Suas mãos tateiam pelos objetos de uma mesa como se fosse um sonâmbulo; não se lembra do seu objetivo inicial, mas ainda se deixa, inconscientemente, guiar por ele. Percebe então o que queria. Foi o seu inconsciente que o ajudou a se lembrar.
Muitas das coisas que acontecem ao nosso redor, não as vemos objetivamente. Mas podemos revê-las com os sonhos. Nesse caso, tentamos captar algumas coisas, quase como uma abordagem de um drama da vida real.
Pois o sonho, com efeito, é um drama. Os sonhos seguem, amiúde, a estrutura temática idêntica usada pelos dramaturgos, desde Ésquilo até os dias de hoje: introdução, exposição do conflito, crise e resolução. No sonho, como na peça, a sequência temporal dos fatos é importante. Por essa razão, ao abordar um sonho, é uma boa ideia começar pelo começo com a primeira sentença — lê-la com cuidado, visualizando o que quer que ali seja apresentado — e, em seguida, prosseguir através do sonho, sentença por sentença, detendo-se para refletir em cada uma com cuidado antes de passar para a seguinte.
A sentença inicial do sonho, como a primeira cena da peça, geralmente movimenta o palco e estabelece a atmosfera do que quer que deva seguir-se. Assim que se ergue a cortina, o sonhador é “descoberto” — onde? (Numa floresta escura? Numa festa? Num trem? Num enterro? Escalando uma montanha? etc.) Qual é a atmosfera da cena inicial? (Terror? Alegria? Tristeza? Frustração? Tédio? Confusão? etc.) Logo depois são apresentados outros personagens, que podem ser pessoas, gigantes, animais, fadas, répteis, insetos, pássaros, ou seja lá o que for. Se os seres humanos do elenco são pessoas com as quais o sonhador está envolvido, o sonho fala diretamente à situação manifesta. Se os personagens são pessoas desconhecidas, figuras de ficção ou históricas, ou ainda pessoas de um passado distante do sonhador, é mais provável que simbolizem atitudes interiores ou padrões arquetípicos inconscientes, que operam na situação presente.
É importante lembrar que que, num sonho, objetos inanimados representam amiúde um papel vital no drama e devem ser incluídos no rol dos personagens. Ás vezes, tais objetos chegam a representar papéis principais no conflito. Por exemplo: um carro que não quer pegar, frios que não funcionam, ou um avião que chega magicamente para salvar o sonhador no momento em que ele está sendo arrastado para o abismo, etc.
Depois que o cenário do sonho tiver sido descrito e os personagens apresentados, expõe-se o conflito ou o problema. A tensão entre as forças opostas avoluma-se e chega a um pico ou a uma crise. No fim do sonho, como no fim da pela, a cena final retrata um desenlace em que o conflito é usualmente (mas nem sempre) resolvido.
Às vezes a ação do sonho é tão vaga, tão confusa e tão incoerente que se torna difícil determinar-lhe o enredo. Nesse caso, vale a pena formular estas duas perguntas: Qual foi o primeiro problema suscitado pelo sonho? e Como foi resolvido o problema? Considere os eventos do sonho ao pé da letra, como se estivessem acontecendo na vida real. Qual é, especificamente, o problema apresentado? (Fazer pegar o carro? Brecá-lo? Apanhar um trem? Escapar de um animal feroz? Ficar exposto pelado em praça publica? etc.). Chegou à solução, fosse ela qual fosse. por seus próprios esforços, ou precisou de auxílio exterior? A ser assim, quem ou o que o auxiliou?
O fato de responder a essas perguntas num nível literal muitas vezes oferecerá imediatas conexões com o significado simbólico delas em sua vida. (O seu “arranque automático” enguiçou? Ou você tem a impressão de estar adernando morro abaixo sem freios? Está fugindo de alguma coisa “bestial”? A situação atual de sua vida o faz sentir-se como se estivesse “nu”? etc.) A observação do modo com que o sonhador se meteu nos apuros em que se debate tem implicações valiosas na vida exterior, e a observação do modo com que se resolveram os conflitos fornece pistas importantes para a solução de outros problemas.
Alguns sonhos, no entanto, tem desfechos emocionalmente incertos. Terminam, de repente, no momento do clímax, sem nenhuma indicação de um possível final. Em se tratando de sonhos assim, uma técnica útil consiste em nós mesmos escrevermos o ato final. Pode ser que nos ocorram várias soluções possíveis para o sonho. Nesse caso, registre-as todas. Qual delas você prefere? Qual é a que oferece a melhor solução possível para o seu atual problema de realidade?
O fato de brincar imaginativamente com os fatos do mundo interior cria uma ponte para o mundo exterior, de tal modo que os sentimentos, as idéias e a essência íntima chegam intactos aos outros e são recebidos de maneira mais parecida com a que pretendíamos que o fossem.
A importância dos sonhos:
O que chamamos símbolo é um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida cotidiana, embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e convencional. Implica alguma coisa vaga, desconhecida ou oculta para nós. Muitos monumentos cretenses, por exemplo, trazem o desenho de um duplo enxó. Conhecemos o objeto, mas ignoramos suas implicações simbólicas. Tomemos como outro exemplo o caso de um indiano que, após uma visita à Inglaterra, contou aos seus amigos que os britânicos adoravam animais, isso porque vira inúmeros leões, águias e bois nas velhas igrejas. Não sabia (tal como muitos cristãos) que estes animais são símbolos dos evangelistas, símbolos provenientes de uma visão de Ezequiel.
Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além do seu significado manisfesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um aspecto “inconsciente” mais amplo, que nunca é precisamente definido ou inteiramente explicado.
O sonho representa a reação inconsciente frente a uma situação consciente. Uma determinada situação consciente é seguida por uma reação do inconsciente na forma de um sonho, trazendo conteúdos que — de modo complementar ou compensatório — apontam claramente para uma impressão que se obteve durante o dia. É evidente que o sonho jamais teria se formado na ausência de determinada impressão obtida no dia anterior.
O sonho representa uma situação que é fruto de um conflito entre consciência e inconsciente. Nesse caso, não existe uma situação consciente que pode, em maior ou menor grau, ser responsabilizada pelo mesmo, e sim, lidamos aqui com certa espontaneidade do inconsciente. O inconsciente acrescenta a uma determinada situação consciente uma outra situação, a qual difere de tal modo da situação consciente que se forma um conflito entre ambas.
O sonho representa a tendência do inconsciente cujo objetivo é uma modificação da atitude consciente. Nesse caso, a posição oposta assumida pelo inconsciente é mais forte do que a posição consciente: o sonho representa um declive que se origina no inconsciente e vai em direção à consciência. Trata-se de sonhos especialmente significativos. Podem transformar alguém que assume uma determinada atitude por inteiro.
Fontes:
Jung e o Tarô — Uma Jornada Arquetípica (Sallie Nichols, editora Cultrix);
O Homem e seus Símbolos — (Carl G. Jung, editora Harper Collins);
Livro Bíblico de Ezequiel: 1, 5.10. (Trata-se de uma visão provavelmente influenciada pela cultura assíria — lembrar que, nessa época, o povo de Deus estava exilado na Síria –, que tinha o Lamassu, um touro com cabeça de homem, patas de leão e asas de águia, como divindade protetora);