Durante a pandemia de Covid19, vários brasileiros foram beneficiados com o auxílio emergencial de R$ 600 do Governo Federal. Para receber o auxílio, além do saque do FGTS através da Caixa Econômica Federal, foi disponibilizado o aplicativo “Caixa Tem”. Como vários dos beneficiários dessa ajuda do Governo Federal são pessoas sem tanto contato com tecnologia, como idosos, pessoas com baixo grau de instrução, e até mesmo pessoas que se quer tem conta bancária, o aplicativo teve que disponibilizar uma interface que fosse familiar e simples de usar, e para isso, toda a navegação é parecida com o Whatsapp, assim o usuário pode se sentir confortável já que na teoria, seria bem familiar encontrar as funcionalidades como se estivesse no popular aplicativo de mensagens:
O que é O CAIXA Tem? é o novo aplicativo da CAIXA criado para facilitar o acesso de todos os brasileiros a serviço sociais e a diversas transações bancárias. … Quem tem conta na CAIXA também pode consultar saldo e extrato, fazer pagamentos e transferências de até R$ 600 por transação e até R$ 1.200 por dia.
Reparem nas imagens abaixo, todas as funções como transferências, pagamentos, etc, são como os “contatos” de um app de mensagens. As interações, são semelhantes a uma conversa através de chatbot. Uma experiência do usuário certeira para o publico a qual se destina certo?Mas então, a burocracia ou até mesmo má fé do Governo Federal tornou todo esse esforço de usabilidade inútil. Quando os aplicativos de Internet Banking surgiram a quase 10 anos atrás, o propósito era que as pessoas deixassem de ir até as agências enfrentarem filas para poderem fazer todas as transações bancárias no conforto de casa ou de onde elas estivessem. Mas o aplicativo da Caixa Tem teve uma “ideia brilhante”: adicionar uma fila virtual para ter acesso aos app:Mas isso é um completo absurdo, tanto para os usuários em si, como para uma analise de UX. E o pior é que quando a fila acaba e finalmente chega a vez do usuário, o aplicativo ainda pergunta se você realmente quer entrar e ser atendido (o que seria obvio já que o usuário ficou horas na fila). Ainda por cima, se quando a fila acabar, você não estiver com o app ativo, você perde a vez e volta para o final:Segundo a própria Caixa, isso é por causa do grande número de pessoas acessando o aplicativo ao mesmo tempo, mas isso não faz sentido. Imaginem que eu faça meu próprio aplicativo para vender por exemplo, bolinhos. Eu tenho uma expectativa de receber de 100 a 300 usuários ao mesmo tempo, mas como meus bolinhos são muito gostosos, acabei tendo um pico de acesso de mais de 1500 pessoas, e ai para o meu aplicativo não cair, eu acabei criando uma fila de acesso. Mas reparem que isso foi preciso, por que eu não sei quantas pessoas vão se interessar pelos meus bolinhos e acessarem meu app, mas no caso da Caixa, eles sabem exatamente quantas pessoas vão acessar (já que o Governo Federal já tem os dados, ou seja, o número de pessoas aprovadas para receber o auxílio), logo, se 40 milhões de brasileiros foram contemplados a receber o auxílio, é plausível que essa mesma quantidade queira acessar o app para movimentar o dinheiro, logo, a infra deve estar preparada para esse tipo de volume.
Montar e manter uma infraestrutura para 40 milhões de acessos, não é algo de outro mundo, principalmente para um governo ou para um grande banco. Fazendo uma pesquisa rápida em serviços na nuvem como Amazon AWS, Google Cloud e IBM, a média para manter servidores online para um volume desse tamanho, seria em torno dos 2 a 2.5 milhões de reais por mês. Não me parece um valor tão alto para algo do tamanho do Governo Federal não é mesmo? Já que só em benefícios pagos, são mais de 35 bilhões liberados.
Outro problema do aplicativo, são os “bugs” que podem deixar pessoas mais simples bem confusas. Por exemplo, para realizar pagamentos de boleto, é exibida uma mensagem que apenas “a partir de tal horário”. Mas mesmo quando passamos aquele horário a mensagem se repete, indicando que ou o horário do servidor é diferente do fuso horário brasileiro, ou o recurso só está indisponível mesmo:
Conclusão
O aplicativo Caixa Tem tinha tudo para ser um excelente case de UX, onde milhões de brasileiros, muitos deles sem bancarização iriam usar uma ferramenta com uma ótima UX e acessibilidade, para o acesso ao benefício do auxílio emergencial. Mas por má fé ou mal gerenciamento e planejamento do Governo Federal, acabou se tornando uma aberração que dificultou e frustrou o público alvo pretendido a receber essa ajuda tão essencial. Não à toa, o aplicativo na PlayStore é um dos mais mal avaliados, apesar das avaliações irônicas com 5 estrelas:A grande lição que podemos tirar disso, para nós que somos profissionais da área é que não importa o quão boa seja a nossa interface ou elementos de UX, as regras de negócio e a infraestrutura precisam ser coerentes e úteis para o usuário, se não tudo o que fizermos será apenas mais um meio de causar mais dores e problemas para o usuário, do que soluções.